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Resenha: A Cena e o Cinema

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Álbum: Tributo ao que ainda está por vir

Artista: Quase Coadjuvante

Lançamento: 12/09/09

Selo: Independente

Myspace: www.myspace.com/quasecoadjuvante

Rockometro: 8,5

Entre observações cotidianas (em mineirês o significado de frescura chama-se Tradição), experiências pessoais (como a censura às canções que tivessem distorção nas guitarras, enquanto fui programador musical da Rádio UFMG em 2006) e conversas informais com amigos “nativos” nestes últimos cinco anos, constatei haver duas visões hegemônicas sobre a música em Belo Horizonte. De um lado, estão os grandes eventos, sempre ligados a um passado nostálgico. Basta trazer uma banda de metal farofa, de rock progressivo ou um baluarte dos anos oitenta – por mais decadentes que sejam tais artistas – para ter casa cheia. Como bem disse um amigo, Belo Horizonte não quer música, quer pompa.

Invertamos a moeda, agora. Falemos da ‘cena’, do ânder. Nada mais coerente, não é? Circuito alternativo de música = público underground, certo? Iniciativas como o Festival Garimpo, as Noites Alto-Falante, organizadas pelo programa Alto-Falante da Rede Minas, e projetos como o Quarta Sem Lei, da boate a Obra, além dos shows realizados na casa Matriz, apenas atestam o sintomático desinteresse do público underground mineiro por atrações nacionais. A não ser que… Isso mesmo: que a banda seja “estrangeira”, que cante em inglês e/ou faça parte do “mainstream Indie” (CSS, Los Hermanos, Little Joy – que não deixa de ser LH – e ultimamente os Móveis Coloniais de Acaju).

Os parágrafos acima servem para mostrar apenas que as novas bandas belo-horizontinas não conseguem viver nem na sua Europa (o mainstream, cada vez mais e mais distante) nem no seu próprio Brasil (o ânder, cada vez mais Europeu). O desinteresse deste nicho do público, em parte, pode ser justificado pela ausência de um nome realmente significativo na cena musical local. Mas quando as principais “promessas” da casa atendem pelos nomes de Monno – com toda a sua afetação – e Dead Lover’s Twisted Heart – mais uma piada pronta sem a mínima graça -, não há como ter ânimo para sair de casa mesmo. Ainda que grupos como Gardenais e mais recentemente o Transmissor tenham presenteado o público de Belo Horizonte com trabalhos consistentes chega a ser irônico que a banda mais interessante da seara atenda pelo nome de Quase Coadjuvante.

Tributo ao que ainda está por vir é o nome do EP de estréia do conjunto formado por Jonathan Tadeu (guitarras e vocais), Marcelo Luiz (baixo) e Filipe Monteiro (bateria), e serve como registro do espólio do Jonas – nome adotado pelo grupo entre os anos de 2005 e 2009. As influências primárias, nítidas ao longo dos pouco mais de dezesseis minutos da bolachinha, são nomes como Pavement, Sonic Youth e Weezer – não por acaso as mesmas encontradas em alguns dos grandes discos do ânder nacional recente como a estréia homônima dos gaúchos do Superguidis e Bingo, dos cariocas do Cigarettes.

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“Velha Inconveniencia” Ao Vivo

Em “Tributo”, o Quase Coadjuvante, apesar de também beber na fonte do chamado Rock 00 – há vestígios de Strokes e Arctic Monkeys -, resolve mergulhar de cabeça em águas mais próximas: o rock brasileiro contemporâneo. “Peripécia” e “Café com Maçã” – cuja bateria simples salta aos ouvidos – são as músicas que o Ludov tem tentado compor desde seu EP Dois a Rodar, mas jamais conseguiu. “Dê Valor a Alguma Coisa” é o cruzamento preciso entre o preciosismo do Sonic Youth e as batucada da Nação Zumbi. O clímax da canção, ao final, atesta uma maturidade surpreendente para uma estréia: a intensa parede de guitarras parece desmoronar sobre o corpo do eu-lírico enquanto este, desconsolado, canta ‘a gente tem que se matar por alguém, mas ninguém deixa’. “Monólogo de Abril”, com sua guitarra suavemente melancólica, é o hit imediato do disco. “Toda Feita de Azul” é a canção mais bonita. Uma balada que emula um falso samba, tem refrão simples, eficiente e altamente viciante. O final deslumbrante com a progressão de guitarras esperançosas reforça o parentesco da canção com Ventura, obra-prima do Los Hermanos.

As letras do conjunto, compostas pelo vocalista Jonathan esboçam pequenos retratos interiores do cotidiano. É um disco que acima de tudo fala de maneira direta sobre descobertas sentimentais: da dificuldade de reconhecer o que é amor, em “Café com Maçã”; da desilusão, em “Peripécia”; da ingenuidade própria do primeiro amor, em “Toda Feita de Azul”; do amor casual, em “Monólogo de Abril”; e, por último, da incompreensão, em “Dê Valor a Alguma coisa”. A simplicidade da lira funciona bem, embora possa soar em alguns momentos demasiadamente pueril.

Se o porvir confirmar as qualidades musicais presentes no EP, no próximo filme da história musical do ânder brasileiro, quem sabe não sobre uma pontinha para a banda? Porque na cena de Belo Horizonte já não se pode encará-la mais como mera atriz coadjuvante.

3 COMENTÁRIOS

  1. Excelente! Esse texto tem algumas das frases mais contundentes e memoráveis sobre a cena cultural (em geral, eu diria) da capital mineira. E Quase Coadjuvante parece remar contra uma maré de mediocridade e afetação que tomou a cidade. Estão de parabéns!

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