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Coluna: 11 dicas para você ser feliz com sua banda

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Gustavo Martins é vocalista, guitarrista e um dos compositores por trás do Ecos Falsos, uma das maiores e mais respeitadas bandas independentes do país. Gustavo ainda é jornalista e blogueiro, assinando diversos textos e roteiros em locais que você menos espera ler ou assistir.

Olá amigos, olá amigas. Esta é a primeira de, esperamos, várias vezes que virei aqui nesse espaço dividir uns pensamentos sobre o pouco saudável hábito de se ter uma banda independente. Agradeço ao Rock In Press pela oportunidade, e espero não fazer (muito) feio.

Quem sou eu pra escrever algo sobre se ter uma banda? Bom, não que isso prove alguma coisa, mas eu tenho uma e já escrevi um pouquinho pra viver. Mas isso é o de menos. Vocês podem não acreditar, mas é considerável o número de pessoas que vem perguntar sobre “o que fazer com a minha banda”, falar das dificuldades, ou simplesmente pedir que a gente faça um show e coloque pra abrir (esses rolam muito). Não sou guru de coisa nenhuma, mas volta e meia reparo que as frustrações dessas pessoas poderiam ser aliviadas com algumas dicas.

Como é minha primeira coluna, decidi fazer um levantamento de diversos tópicos possíveis, cada um deles merecedor de um texto por si só. Como o propósito aqui é dizer coisas que eu gostaria de ter lido quando estava começando a tocar, acaba virando uma humilde listinha de conselhos para você ser mais feliz nessa inglória e viciante estrada do rock’n’roll (sucesso e dinheiro eu não prometo, como veremos adiante).

Antes de tudo, estou partindo do princípio que você AMA música. Sente necessidade de ouvir e criar música, o tempo todo. É o seu DOM e o seu KARMA, o que mais te dá prazer e o que mais atrasa a sua vida, também. Se for o caso ou algo próximo disso, podemos começar.


Você tem banda? Eles tem.

1. Decida o que você quer. Os três primeiros tópicos são os mais difíceis, e esse aqui é o mais difícil de todos. Tem gente que consegue todos os outros, mas passa a vida toda sem esse primeiro. Talvez você ache que não tem que decidir nada, que o que a vida trouxer tá valendo. Beleza. Mas saber o que se quer tem vantagens tremendas.

Primeiro: sabendo o que se quer, é mais fácil saber o que deve fazer. Você quer ser músico, digamos. Mas você quer ter uma banda e fazer música pop ou quer ser um virtuose no seu instrumento? O que te move, afinal? É ficar rico? Ficar famoso? É pegar mulher? Você quer ser um astro de massa ou tocar pra um nicho?

Qualquer que seja a alternativa, aja de acordo. Se você não souber o que quer, vai sempre ter aquela sensação de que “as coisas não acontecem” – você nem sabe o que quer que aconteça! Agora, quando o público vê um artista que sabe o que quer, ele percebe na hora. E respeita.

2. Arranje bons amigos para tocar. Essa também é muito difícil, sendo a razão porque 70% das bandas acabam. Você pode estar ali na urgência de sair fazendo shows e mostrar suas músicas, mas pense bem. Não coloque gente que não tem o mesmo sonho que você no barco. Sinta se você tem afinidade de fato com a pessoa (não precisa ser amigo, é só haver um bom diálogo, é fácil perceber isso). Pense que, se tudo der certo, vocês vão ter que passar MUITO tempo juntos e em diversas ocasiões você vai ter que dizer na cara da pessoa que não gostou de algo que ela fez com carinho. E vice-versa. É cruel.

3. Arranje um nome decente. Apesar das diversas provas de que dá pra chegar lá com um nome horrível (ou alguém gosta de “Biquíni Cavadão”?), um bom nome vai te ajudar muito durante toda a carreira. É difícil, parece que todos os bons nomes já foram pegos, mas não desista enquanto não encontrar algo que ao mesmo tempo seja bom e represente o som da banda. Evite latim, expressões pomposas, piadinhas ou trocadilhos, que dão um ar idiota pra banda quase impossível de superar (a não ser que você curta parecer idiota…) Nesses tempos de internet, um nome sonoro, diferente, curto e fácil de decorar vale mais do que nunca.

Senti firmeza!

4. Faça música. Ok, você já tem o básico. Agora vem a mágica. Não existe nenhuma dica para se fazer boa música, mas no começo não é isso que importa. O importante é fazer música. Criar, criar e criar, nem que seja pra não mostrar pra ninguém e só tocar na garagem, é preciso exercitar os músculos do cérebro. Tocar covers é legal, vai atrair uma grana e algumas menininhas, mas se você quer ter alguma realização artística, vai ser muito difícil por aí.

Não sou eu quem vai ensinar alguém a compor música, mas um bom jeito de descobrir como é analisar as músicas que você gosta, tentar identificar que sentimentos elas transmitem. Por que eu me sinto alegre ouvindo Beach Boys? Por que eu boto Wilco pra tocar quando eu termino um namoro? Por que eu quero dançar ouvindo tango?

Faça isso com várias músicas e você vai começar a perceber certos elementos: acordes, entonações de voz, ritmos, arranjos, tudo desempenha um papel nesse processo de transmitir emoção. Daí você faz o caminho contrário: pega seus próprios sentimentos (espero que você tenha alguns) e tenta exprimi-los com música. No começo vai sair horrível, mas quanto mais você praticar esse “vocabulário”, mais fácil fica.

5. Seja original. Esse ponto é difícil de defender, porque são muitos os exemplos de coisas pouco originais que dão certo. Mas isso tem uma explicação lógica: as pessoas são naturalmente preguiçosas, preferem sempre o conforto do que já conhecem a se dispor a ouvir algo pela primeira vez. Mesmo assim, encare isso como um pedido pessoal meu: o mundo NÃO PRECISA de outro Blink-182, de outro Arctic Monkeys, de outro Joy Division… Os originais sempre vão ser os originais! Tentando imitar, você vai ser só um parasita criativo, e isso é bem deprimente. Se depois dos shows da sua banda sempre vem alguém com um elogio do tipo “porra cara, muito bom o som, parece XXXXX” – e XXXXX é sempre a mesma banda –, encare como um mau sinal. Ou você gostaria de ser chamado de “o XXXXX brasileiro”? Meio terceiro mundo, né?

E sobre as letras de música?

6. Leia coisas que prestam. Jogue fora essa porcaria de “Crepúsculo” ou qualquer outro livro que você comprou porque o filme fez sucesso. Os livros existiam antes do cinema, ok? E são eles, não os dramas da sua vida cotidiana (que são os mesmos dramas da vida de todo mundo, convenhamos), que vão te ensinar a escrever boas letras. Leia Dickens, Calvino, Agatha Christie e Machado pra entender como se conta uma história; leia Drummond, Manoel Bandeira, Fernando Pessoa e João Cabral para entender como utilizar o som das palavras, como brincar com a métrica, as milhares de possibilidades que poucas palavras podem te dar. Podem ser outros autores, obviamente, leia um pouco de cada e se aprofunde no que mais te agrada. E pelo amor de deus, pare de rimar verbos no infinitivo, isso é ridículo. Se você se interessa por rimas como eu, tenho uma indicação de leitura pra dar.

7. Fale com o seu público. Eu ia colocar “cante em português” só de provocação, mas o caso é que é incrível como tem bandas que fazem tudo certo nos lugares errados. É um desdobramento mais específico do ponto 1: você tem que saber onde quer chegar e agir de acordo. Se o seu objetivo é atingir o maior número possível de pessoas no Brasil, o que você ganha cantando em inglês? Nada. Mas se sua onda é fazer shows fora, o que é cada vez mais possível, por que não? O importante é saber com quem você quer falar. E isso vale para estilos também. Se o que você produz não agrada quem vai em rodeio ou no Hangar 110, não fique reclamando que não consegue tocar lá (muito menos ponha a culpa no público).

“Oi mãe! Olha eu aqui em cima!”

8. Não seja mala. Evite a tentação de cobrar seus amigos para ficar indo em todos os shows miados que sua banda faz no começo de carreira – eles vão encher o saco de você antes que possam realmente ajudá-lo. Divulgue, mas não exagere nem fique mandando mil vezes a mesma mensagem. Mostre seu trabalho, mas não fique perguntando o que a pessoa achou se não tiver intimidade. Não seja puxa-saco. Não fique putinho se alguém não te der atenção depois de um show. Enfim, não seja mala. Principalmente comigo!

9. Não pague pra tocar. O tema aqui é polêmico, já que muita gente confunde “pagar pra tocar” como “investimento na banda”, e a linha é tênue mesmo. Se você nunca foi pra uma cidade e não tem público lá, invista no transporte e não espere garantias em dinheiro – mas tente pelo menos ter um acordo que prevê pagamento se a casa encher. A casa não vai encher, mas simbólica e moralmente isso é muito importante. Você tem que valorizar o seu trabalho e, acredite, enquanto você pagar pra tocar, como nesses festivais “banda vende ingresso”, você nunca será valorizado – além de ajudar a desvalorizar o trabalho das bandas em geral. Comece tentando formar um público local e espalhando sua música na internet – se a música for boa e você trabalhar direito, as oportunidades aparecerão aos poucos.

10. Faça um show divertido. Isso parece óbvio, mas na prática a maioria das bandas simplesmente esquece que um show é feito para o público. Sua missão, no palco, é entreter quem gastou dinheiro para ir lá vê-lo. Se as pessoas não conhecem ou não gostam do seu som, bem, se vire, você ganha pra isso. Ou deveria ganhar, pelo menos…

Um show divertido significa algumas coisas: tocar em um volume decente (a não ser que só tenha homem na platéia, aí pode tocar alto o quanto quiser, mas não sei se é o que você quer pra sua banda), ensaiar direito, fazer sempre um setlist, não tocar muito bêbado (se nem os Beatles conseguiam, não é sua banda que vai conseguir), não ficar falando muito entre as músicas, fazer um show curto (se for só de músicas suas e o público não conhece, uns 45 minutos, no máximo) e transmitir diversão na performance. Se as pessoas não conseguirem enxergar que você gosta das suas músicas, dificilmente entrarão no clima.

Acho que entendi…

11. Faça as coisas do seu jeito. Se existe uma dica mesmo que eu posso dar, é essa: não existe mais certo e errado nesse negócio de música. Se alguém te disser que sua banda TEM que fazer isso ou aquilo, acredite, é um charlatão. Ninguém sabe ao certo como os artistas viverão de música daqui cinco anos, mas ao que tudo indica vai ser cada um do seu jeito: uns venderão muitas camisetas, outros terão shows sempre lotados, alguns viverão de dinheiro do governo e outros venderão até discos, quem sabe. Não existe mais um só caminho.

Em um mundo que cada vez menos depende de suportes físicos, a única coisa que tem valor são as idéias. E quanto mais novas e criativas forem essas idéias, melhor. Então trate de botar essa cabeça pra funcionar, bole shows diferentes ao ar livre, distribua sua música em bolinhos da sorte, SURPREENDA as pessoas. E pare de reclamar que é tudo uma panelinha da MTV ou coisa que o valha, porque deixa eu contar uma novidade triste: a vida é assim. Ninguém está ligando para sua banda simplesmente porque ela existe.

E por que deveriam ligar, aliás? Tem tantas coisas mais legais pra ver na TV ou no iPhone… Sua luta agora é contra todas as quase infinitas opções de entretenimento que existem. Injusto? Talvez. Mas quem mandou você entrar pro rock?

9 COMENTÁRIOS

  1. Nossa, sensacional! Okay, não penso em ser um rockstar, mas se tivesse essa pretensão acho que esse texto ajudaria bastante.

    E tocou em um ponto que me incomoda. Eu moro em Natal, onde a cultura musical se resume em 95% dos casos a forró, pagode e axé. Já é difícil um público de rock aqui, mais difícil surgir uma banda legal, e quando surge todas só tocam em inglês. Eu acho isso muito frustrante.

    E, parabéns, você escreve muito bem! Antes existia uma besteira de achar que rockeiro é burro, mas sinceramente, acho que o vocalista do Cavaleiros do Forró não lê Drummond.

  2. Bem-vindo Gustavo a Rock in Press.

    As dicas são boas e até bem válidas. Ando pensando em montar uma banda, entretanto falta-me os…

    … amigos.

    Novamente bem vindo e esperando novos post’s.

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