Resenha: Sobre Emoções Somadas em Corações de Lata

Album: Amigo do Tempo

Artista: Mombojó

Lançamento: 07/06/2010

Selo: Independente

My Space: http://www.myspace.com/mombojo

Rockometro: 8,8

Cena 1:
Uma banda que em 2004 era o maior prodígio das terras outrora de Portugal. Nesse ambiente quase bucolicamente nervoso, a Mombojó é agraciada com elogios poderosos de vozes que ecoam por blogsferas e publicações. Nada de Novo, o primeiro disco mostrava uma metralhadora que girava em todas direções, mas com uma empunhadura firme e tão coesa que acachapou os mais entendidos no assunto. Com Homem-Espuma eis que a banda contava com todas as ligações no lugar. Corte rápido…

Cena 2:
Rafael Torres, o flautista. Infarto do miocárdio. O rock levava de maneira natural mais uma alma ao encontro dos grandes na enorme jam infernal, a banda levava a primeira alfinetada do tique taquear.
Corte com a tela amalgamando cores escuras e cinzas….

Cena 3:
Marcello Campello deixa a banda. Quando todo mundo achou que os garotos prodígios recifenses iriam buscar alternativas baratas, eis que com uma molecagem madura a banda se fecha ainda mais no círculo de amizade que desde sempre tiveram. Romperam com a gravadora Trama e começaram a tomar conta de tudo que fazia da banda uma liga metálica de adamantium. E veja bem meu emotivo leitor, passar por todos esses percalços e produzir, gravar, ensaiar, fazer shows e ainda por cima distribuir gratuitamente um dos melhores discos do ano é tarefa para quem tem poderes mutantes dignos de Stan Lee.

É assim que deve-se olhar o disco da banda Mombojó, lançado em julho de 2010, Amigo do Tempo. Uma confraria de comparsas e muitos convidados que dentro de onze faixas trazem a modernidade recheada de cores sépias de tempos passados. Não existe comparação com nada ou nenhum trabalho desse ano, além das citações de estilos e bandas que influenciaram o Mombojó (entre eles High Llamas, Stereolab e a inglesa Laetitia Sadier). De uma fluidez que há tempos eu não conseguia ouvir, Amigo do Tempo não á apenas um disco, é acalento feito de nuvens para almas em interrogação.

As canções até podem ser tachadas como as mais simples dos três trabalhos da banda, exemplo na faixa de abertura “Entre a União e a Saudade”. Duas palavras que calariam fundo dentro do ventrículo de qualquer pessoa quando passa por tudo o que a banda passou.

Mas esse caldo amargo como boldo de lei, produz duas das frases mais bem sacadas do disco (“triste quando alguém desiste e não insiste em acertar” e sinto não ser dos mais saudosistas, qualquer caminho sou eu”) tudo embalado em um arranjo que mistura tábuas de esmeraldas e low-fi. E por favor não imaginar que essa melodia tenha sido escrita por Rodrigo Amarante, é uma praia muito mais lisérgica que as canções do hermano.

As participações especiais que haviam começado na primeira faixa com a presença de Guizado, em “Antimonotonia” ganham cores mais rap ploquianas. Queóps Negão nos vocais e Pupillo (Nação Zumbi) na programação. E ainda Rafael Fonseca nos violinos, trazem para essa faixa a definição perfeita de tempo e execução. Começa como um iê-iê-iê simples, mas ao fundo as cordas dão o tom mais universal que se completa com as mudanças dignas de qualquer disco do Gorillaz. Em ritmo de filme Pulp, a banda destila uma linha que transpassa a garagem e termina em um funk metálico.

Mesmo sendo mais universal que os discos anteriores, a pegada da banda está mais viva do que nunca em “Passarinho Colorido”. A aceleração e desconexos riffs formam uma cadeia cíclica que com a letra inicialmente matemática torna-se cheia de lirismo. Tempo e velocidade andam juntas dentro dessa canção. A calma de “Justamente” é uma deslizante ligação iônica de gooves e lisergia contida que salva. E aqui sempre cabe o clichê de que escrever rock em português é difícil, mas a sequência que vem à seguir com “Qualquer Conclusão” e “Praia da Solidão”, mostra que na verdade a dificuldade é inversamente proporcional à maestria do acerto, seja no suingue low-fi de ….Conclusão ou na balada malemolente na ….Praia.
E mesmo sendo uma das mais tocadas nas rádios (aqui sempre ouvia na 107.3, “casa do Garagem…”), a letra de “Casa Caiada” é confessionalmente visceral. Se a definição de construção dada por Chico Buarque à uma canção vale, eis aí um exemplo de sônica arquitetura. Mas o oito marca a camisa do craque e assim é “Aumenta o Volume”. Uma veia exposta garageira com beleza clássica, digna de clip com animação.

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Clipe de “Papapa”

Nesse becker sonoro, o eletrônico devoniano se mistura com a bossa acelerada, cores metálicas quimicamente costuradas com um “mutante furry animal”, mostram que uma banda pode com o passar do tempo e dos fatos que são sorrateiramente colocados na trama, fazer um disco que soe tão brasileiro e do mundo. O lisérgico, o batuque e a garagem em completa sincronia. “Amigo do Tempo” (Michael Jackson aparece aqui…) e “Papapa” mostram isso.

Amigo do Tempo provavelmente é um daqueles discos que serão atemporais, pois muito antes da mistura se sons e ritmos algo dentro do ser humano move mais. Emoção é o que faz canções memoráveis e esse disco é assim. Por isso ao final da audição dessa nova bolacha da Mombojó, se nada acontecer dentro de seu peito, procure Dorothy. A estrada até o homem atrás da cortina para recuperar teu coração é longa.