Festival DoSol aposta em si mesmo e bandas potiguares como headline

DoSol: A plena definição e consumação de uma cena. A tão comentada discussão sobre a existência ou não de cenários musicais no país, do que é e como identifica-los, se define nas três noites quentes de Natal, Rio Grande do Norte, em que o DoSol pontuou suas ações anuais e 10 anos de existência do festival.

Parece uma cidade a parte na realidade musical brasileira. As bandas natalenses não são só bandas, mas funcionam como auto-coletivos musicais que ajudam um ao outro, seja numa gravação ou importando seus próprios músicos. Todos tem seus gostos, suas preferências e explicitam isso sem deixar de somar ao bem da outra banda, vide a miscigenação sonora e de vestimentas que permeou as apresentações.

Logo de cara, abrindo os trabalhos da primeira noite, o Last Starfighters parecia um recorte de pessoas selecionados por sua amizade e não por gostos. Com tipo de instrumento impróprio para o som que fazia, o que mais chamou atenção foi exatamente a forma que se vestiam e o estilo de tocar de cada um. Em meio ao som embolado e variante da banda, o que mais chamava atenção era a disparidade quase absurda das roupas de cada integrante.

A tendência se confirma na grande banda mãe do troca troca de integrantes. Não se sabe ao certo o número correto de ex-membros do Camarones Orquestra Guitarristica, mas é fácil reconhece-los em diversas outras bandas que tocaram no festival. Interessante é a facilidade do quinteto de manter o nível profissional do show agregando ainda as incontáveis participações especiais, com destaque para Ynaiã Bertholdo, ex-Macaco Bong, que segurou as baquetas durante todo o show e Camillo Royale, dos paraenses do Turbo, literalmente incendiando o show.

Essa troca de informações entre músicos e bandas vai gerando as novas promessas do cenário, juntando pequenos ‘dream team’ e montando as bandas que vem sendo destaques dessa grande revoada sonora da cidade. Foi assim que nasceu o tão comentado e explosivo Far From Alaska, a banda ‘grande’ da cidade, com espaço no centro DoSol sendo disputado a tapa e com pessoas do lado de fora sem conseguir assistir. Frescos com a recém terminada gravação do novo álbum, mostraram novas faixas e atenderam pedidos do público. A banda saltou a qualidade para um nível compatível com a necessidade para circulação profissional e se manter viva com o grande potencial que vem mostrando.

O interessante é que os grandes headlines do evento acabam sendo os próprios artistas da cidade, numa artimanha bem centrada da produção elevando nomes em potencial e os já consagrados na cidade, como o DuSouto, Rastafeeling, Croskill e o Talma e Gadelha  – estes donos dos suspiros mais apaixonados da região e fãs mais fervorosos, afoitos para ver Luiz Gadelha e Simona Talma expor seus sentimentos da forma fofo-raivosa que fazem.

Até bandas menores e em processo de construção, como o Fukai, parecem grandes no festival, ponto de ouvirem o coro alto e forte do maior palco do evento, o Armazém, pedirem bis  e serem prontamente atendidos, mesmo que durante todo o show tenha sido feito com uma formação totalmente improvável dos próprios músicos após estourar uma corda da guitarra. Tal imprevisto fez a apresentação ficar ainda mais divertida, como se fosse num churrasco de amigos, com invasão, gente bêbada e muita ressaca no dia seguinte.

Dessa leva, para ficar de olho: Ar, Tu e Vendaval. Tem potencial bastante para ser um dos grandes nomes do estado, mas peca na bagunça e a falta de um show mais redondo, mais bem preparado.  Além disso, prova que não só no boom stoner metal que a cidade sofreu nos últimos anos que se define a cena de Natal. O próprio DoSol prova isso em sua escalação e nas bandas aqui destacadas.

A cada três bandas, 2 tinham a mesma reclamação e discurso no palco. Aos pingos, alguns músicos pareciam ter sucumbido ao calor incessante de Natal, como os cansados Medialunas, que após 4 shows em 8 dias no Nordeste, desembarcaram no DoSol para uma apresentação acima do esperado e que conquistou fácil o público do espaço. Público que por vezes parecia quieto, contemplativo, e na maioria das vezes soava caótico, principalmente na apresentação do Zander, com quase uma centena de moshs realizados e provável bacia e costela quebrada do Zeek Underwood, ex Ludovic e atualmente guitarra do Single Parents, outra banda que colhe evolução com o tempo, principalmente com a entrada dos novos integrantes.

Acostumados com o sol na testa e na nuca ao mesmo tempo, o Molho Negro e Hellbenders simplesmente tocaram o terror em seus shows. Dispares no peso, na largura e na estatura, o vocalista e guitarrista de ambas as bandas esbanjavam energia e fúria em seus explosivos shows, cabendo ainda ao João Lemos, do Molho Negro, uma participação histórica com os locais do Red Boots, numa sinergia e química só vista no palco com o Autoramas, a banda ‘melhor show seja lá onde e quantas vezes se apresentem’.

O trio carioca teve uma hora no palco, mas bastou o primeiro acorde para levar a casa a baixo. Com lotação esgotada,  amigos brigavam para invadir o palco, incluindo Ana Morena, do Camarones, e Martim, ex-Zeferina Bomba e atual Single Parents. O maior prêmio mesmo parece ter sido o de Márlon Tugdual, baterista do Cassino Supernova. Além de emprestar a caixa para Bacalhau, que arrebentou a sua, ganhou chance de ficar ali no palco, fazendo o que quisesse. O resultado sintetizou bem a apresentação de sua banda. O Cassino é alegre, divertido, rock clássico para beber e dançar, só que sem os terninhos frescurentos e como bem Keith Richards iria aprovar. Acabaram sendo uma das melhores surpresas do festival, junto com o Molho Negro e o Stereovitrola.

É interessante provar que não houve a menor necessidade de um nome expressivo para o sucesso de público do festival, ousando em destacar artistas da cidade em horários de melhor audiência e principalmente tornando como principal atrativo do evento os 10 anos de Festival, sendo esse o verdadeiro headline desta edição. Outro ponto certeiro foi  o valor dos ingressos: 5 reais. O agrupamento de bandas nos dois palcos poderia ser mais bem organizado e o som menos agudo e mais bem definido, em compensação não havia filas para nada, horários respeitados ao possível, banheiros satisfatórios (apesar do cheiro que tomou o último dia)e preços justos para um festival.

No domingo, quando o DoSol se pôs, ficaram muitos raios de luz. Agora é esperar ano que vem, para ver o DoSol nascer de novo.