Entrevista: Nana

Nana é uma baianinha tímida que sorri e avermelha-se ao menor elogio. Fala sempre na primeira pessoa do plural, lembrando seu fiel escudeiro João Vinicius Santana. Emana fofura e alegria até para pontuar uma frase com carinhas meigas.

Gosta do seu vinil de Histoire de Melody Nelson, clássica obra de Serge Gainsbourg, do seu guarda-chuva Babu e do livro Orgulho e Preconceito, de Jane Austen. Nana se identifica tanto com os anos 50 e 60 e com o filme tcheco Pequenas Margaridas, que acabou virando o nome do disco e de uma das faixas do trabalho, mas ainda sim prefere viver no nosso tempo.

Não escolheu ter 13 músicas no seu álbum de estreia por superstição e se orgulha por assumir, de maneira totalmente independente, a feitura do álbum – desde a gravação caseira/profissional até a arte gráfica do trabalho, rabiscada por ela própria. Chegou a cursar jornalismo e até trabalhar num revista de turismo na Rússia, mas a música a conquistou de vez.

Talvez, de cara, muitos tracem um paralelo imaginário com o início da carreira de Mallu Magalhães ou com as fofurisses da pernambucana Lulina, mas entenda que dentro deste rosto sensível, encontra-se uma mulher diferente, com uma desenvoltura musical tão interessante quanto inominável. Como ela mesma se definiu, “acho que minha música é triste, só que disfarçada de alegre”. Acho que é música de Nana.

Acho que li uma vez (não sei se estou confundindo) que você tem medo de avião. Confere?
Na letra de “Expressionismo Alemão”, eu digo que não gosto de avião. É verdade mesmo. Não é nem ter medo. Eu tenho medo quando as pessoas que eu gosto viajam. Fico muito apreensiva. Eu detesto viajar de avião. Sempre pego gripes e resfriados quando viajo (nariz sensível hehe).

Sei que soa meio abstrato, mas como você descreveria a Nana e sua música?
De fato, é abstrato. Acho que minha música é triste, só que disfarçada de alegre, mas no bom sentido. Tipo a bossa nova. Uma vez, eu disse numa entrevista que minha música era uma “bossa nova nova” e isso acabou pegando. De certo modo, é isso mesmo. Pode não ser uma bossa nova didática, na cara, mas esse espírito está nas músicas. No final, somando aos elementos eletrônicos, o experimentalismo, a chanson francesa, o serialismo e muitas outras influências, é uma bossa nova nova mesmo!

Você esteve um período na Rússia, pelo que sei. O que essa vivencia te acrescentou profissionalmente falando?
Foi lá onde comecei a desconfiar que queria fazer música. Lá gravei 4 músicas, com uns amigos e tal. Minhas primeiras experiências de gravação foram lá. Gravei em estúdio, na casa de uma amiga que era engenheira de som e em um outro estúdio. O resultado não foi dos melhores, mas percebi que era algo que eu gostava de verdade de fazer.

Foto: Agnes Cajaiba/LabFoto © 2011 | Maquiagem/Figurino: Paloma Simplício

O EP Rússia 2010 que tá no seu Bandcamp, né?
Sim! Mas só tem duas músicas lá. As outras eu não achei, de verdade.

E nem a sua amiga que gravou as tem?
Ela só gravou uma, “Hitchcock”, que está no Bandcamp. Das outras 3, que foram gravadas por outro cara, só tenho uma, “Bonjour”, que eu já tinha postado antes. As outras duas, só pedindo ao russo, mas eu não o tenho no Facebook, não tenho contato dele. Mesmo assim, essas duas músicas traduzem bem o que foram as gravações lá: bem descontraídas, descomprometidas. A versão de “Expressionismo Alemão” mesmo, tinha ficado bem regular. Era a primeira vez que tocávamos, e gravamos tudo numa madrugada, então dá pra entender.

Ou seja, há uma versão ‘russa’ (mas ainda em português) de “Expressionismo Alemão”, sendo ela a terceira sua lançada?
Tem uma primeira vez que eu gravei aqui em casa, só voz e caixinha de música; tem a ‘versão russa”; tem a versão do EP (que está no clipe também) e a versão do Lemon Lips. Ainda tem a versão que gravamos para o disco. São muitas gravações, mas nossa intenção é apenas melhorar. A versão do EP, que consideramos como a melhor até agora, tem problemas técnicos graves. Gravamos a voz com uma webcam, por exemplo, mas mesmo sem conhecimento técnico, João tem um bom ouvido para isso. Foi quase um processo artesanal. Acho que ele fez um milagre ali!

Fiquei extremamente curioso pela versão ‘caixinha de música’. Onde tem para ouvir?
Só no meu computador mesmo. É uma coisa informal demais. Eu tinha 17 anos e tinha uma das minhas primeiras músicas em português. Eu tinha que gravar, de alguma forma, pra ter um registro daquilo. Na época, eu estava com um teclado emprestado de um amigo, cujo timbre de piano era muito ruim. Então usei o de caixinha de música.


Trecho feito com uma caixinha de música e uma câmera fotográfica quando a cantora ainda tinha 17 anos. Nana ainda não tinha tido aula de canto, queria ser jornalista e esta foi sua primeira gravação.

Como você começou a tocar instrumentos? E aprender a cantar?
Eu comecei a estudar piano clássico aos 14 anos, porque tive a sorte de ter um vizinho professor que tinha um piano e ensinava. Eu pedia pra fazer aulas de piano desde os sete anos, mas nunca dava certo porque eu sempre moro muito longe dos lugares, e na época eu era muito pequena. Depois, aos 17, comecei piano popular.
Eu faço aulas de instrumento, na faculdade. de piano e de violino, mas meu curso é composição. Hoje faço aulas de canto também. Quando eu era criança, cantei em alguns corais, mas nada sério (afinal, eu ainda era uma criança, embora não fosse traquina e adorasse o coral).

E porque gravar em casa? Como foi aprender a fazer esses registros?
Bom, é engraçado esse processo. João sempre gravou na casa dele, coisas que ele cria e tudo e eu sempre gravei minhas coisas na minha casa, de forma mais rudimentar, mas gravava. Quando nos conhecemos tínhamos esse interesse por gravação em comum, e aí rolou toda essa história de tocarmos juntos, etc. Agora que resolvemos gravar o disco, percebemos que não queríamos um disco perfeito. Não queríamos ir pra um estúdio, pagar caro pra fazer uma coisa que soe tecnicamente perfeito e sentir que saiu diferente do que queríamos fazer.
Estudamos essa coisa da textura por meses, ouvimos muito The Radio Dept., Sonic Youth, música alemã do pós guerra… Tudo o que achamos que soasse diferente do que uma música de estúdio, que toca na rádio, soa. E aí concluímos que gravar em casa era uma opção muito viável. Eu moro num lugar muito silencioso. Compramos equipamentos e começamos a testar. Conseguimos economizar bastante dinheiro para a mixagem e masterização e não tivemos problemas até agora.

Alias, como você pinçou o João? Ele é seu companheiro musical e tem influência direta nas músicas, imagino.
Tem sim. Uma amiga em comum mostrou as músicas a ele e sugeriu que fizéssemos junto a trilha do filme dela, o Lemon Lips. Ele achou interessante e resolvemos prolongar a parceria, digamos assim.

O cd já tem selo ou data pra sair?
Não temos selo. Faremos tudo totalmente independente, com nossos próprios recursos (trabalhamos muito pra isso!). Quanto à data exata, não sei dizer, porque imprevistos podem acontecer. Mas sei que o lançamento será em setembro. Faremos um show de lançamento aqui em Salvador.

Como andam as gravações do disco?
Estamos gravando em casa desde o dia 01 de maio. Dá pra acompanhar tudo pelo blog e pelo Facebook. Eu posto diariamente. Falta pouco pra ser gravado, praticamente só voz mesmo. Além das 4 músicas do EP Expressionismo Alemão, tem outras 3 que já divulgamos antes pelo blog e 6 ‘inéditas’ (algumas já foram tocadas em shows).

Tens o nome de todas as canções já? Pode me informar?
Temos sim! Bom, as inéditas são ‘Pequenas Margaridas’ (que dá nome ao disco, inclusive), ‘O Calor’, ‘Passarinho’ e ‘Aniversário’. Já tocamos todas essas em shows. Tem outras duas totalmente inéditas que eu prefiro não dizer o nome, mas dou a dica de que uma delas é instrumental. Talvez eu tenha dito o nome dela no blog alguma vez, de toda forma. O nome do disco é Pequenas Margaridas por causa do filme tcheco de 1966 (dir: Vera Chytilova). O filme e o disco tem muito em comum.

Em comum em que sentido?
O filme conta a história de duas meninas que, por inocência (e por tédio também), resolvem fazer tudo o que der na telha, tanto o bem quanto o mal, “já que o mundo já é tão corrompido”. Nesse caminho de “liberdade”, elas começam a se questionar diversas coisas sobre o amor, sobre a existência, sobre a liberdade, sobre o poder. Meu disco tem um pouco dessa inocência, de querer fazer algo diferente e de, ao mesmo tempo, pensar sobre essas coisas. É meu filme favorito, por sinal. Talvez não esteja tão claro quanto na minha cabeça, mas sei que é um ato consciente. (risos) Eu gosto de prestar atenção nos detalhes, acho que eles contam histórias.

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Clipe de “Expressionismo Alemão”

Ele será disponibilizado para download também, como os outros? Quanto isso (de disponibilizar gratuitamente) é importante para o seu trabalho?
Sim! Com certeza! Nossa proposta é para que tudo possa ser encontrado, baixado, comprado e etc, em nosso site. Eu adoro comprar discos, mas gosto de baixar antes de comprar. Quando o artista disponibiliza a obra, me sinto muito mais impelida a comprar o disco, por exemplo (no meu caso). Cada pessoa funciona diferente nesse aspecto. Quem só quer baixar, vai baixar e vai ficar satisfeito. quem se interessar em ter o disco físico mesmo (que estará lindo, por sinal), também vai poder comprar – e por um preço baixo. Acho que é besteira não disponibilizar as músicas pra download hoje em dia. Minha intenção é mostrar meu trabalho, no fim das contas.

E está pronta para encarar o público de outros estados? Fazer shows e turnês do cd?
Não só pronta, estou ansiosa para isso! Fazer show é incrível demais! É a melhor sensação do mundo!

Mas vai ter que pegar avião…
Mas vale a pena. Vou levar os remedinhos que minha Vó me deu.