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Resenha: O perigo chamado Maracujina

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Nervoso e os CalmantesÁlbum: Nervoso e os Calmantes

Artista: Nervoso e os Calmantes

Lançamento: 01/04/09

Selo: Midsummer Madness

Myspace: http://www.myspace.com/nervosoeoscalmantes

Rockometro: 7

Inspirado pelas idéias lunáticas do vovô Sigmund Freud – Siggy, para os íntimos -, o sociólogo alemão Norbert Elias fez uma importante constatação: ‘é molecada, daqui pra frente com o avanço da civilização a chapa vai esquentar mais e mais, só que vocês vão ter que se segurar. Nem pensem em deixar o líquido transbordar senão…’. As conseqüências dessa idéia são bastante claras: se o seu chefe é um mala de marca maior e adora aprontar para cima de você, em vez de aguardá-lo lá fora, você vai ter que passar a mão no saco dele e puxar com todo carinho, além de, é claro, sorrir (amarelo, obviamente) de suas piadas sem graça para, quem sabe, poder sonhar com uma promoção ou ao menos com uma fotografia de funcionário do mês estampada na parede.

E assim, entre um sorriso amarelo e outro diante da vida, você vai rebolando como pode, até que uma hora acontece o inevitável: o caldo entorna. Sobre isso o velho Elias alertou: ‘molecada, quando vocês sentirem que não tem mais jeito, que a gororoba está prestes a entornar, tomem cuidado hein! Não deixem essa porra cair em cima de certas pessoas, senão vocês vão se foder bunito!’. E como forma de reconfortá-los, cantou a bola: ‘vocês já ouviram falar em rock’n’roll? Acho que pode funcionar!’.

Nervoso

Demorou um pouco, mas André Paixão, vulgo Nervoso, entendeu muito bem o recado do titio Elias. Escolado no underground carioca (foi baterista de bandas como Acabou La Tequila , Matanza e Autoramas), depois de apanhar bastante da vida foi que ele se convenceu: ‘hora de deixar de entornar o caldo em cima de certas pessoas. Vou comprar uma guitarra’. O resultado: Saudades das Minhas Lembranças, seu genial disco de estréia lançado em 2004. Era porrada atrás de porrada (imaginárias, é claro, o que cai bem em tempos do politicamente correto, além de não ferir, ao menos fisicamente, ninguém). Duvidam? Pérolas como “Não Quero Dar Explicação”, “Já Desmanchei Minha Relação” e “Clube da Luta” não me deixam mentir.

O hiato de cinco anos desde Saudades (antes Nervoso havia lançado o EP Personalidade) parecia esconder alguma coisa. Seria a falta de dinheiro própria do circuito independente? Seria a falta de tempo para as gravações? Talvez. Mas Nervoso e os Calmantes (Midsummer Madness, 2009) parece atestar que o buraco é mais embaixo: trata-se do vício do compositor por Maracujina, uma das drogas mais destruidoras da história do Rock’n’Roll, segundo o mesmo Elias. O primeiro sintoma do abuso é o nome dado a banda de apoio, que agora passou a ganhar status principal e dar pitacos nas composições: Os Calmantes. A piada seria genial não fosse levada a sério demais. A sensação que o disco proporciona ao ouvinte em quase toda sua extensão é a de uma promessa não cumprida: existem várias músicas excelentes que, por escolhas equivocadas (leia-se novamente excesso de Maracujina na veia), não conseguiram levar a cabo todo seu potencial pop. Essa quebra de promessa fica ainda mais evidente quando as canções do disco são comparadas a suas versões preliminares que circularam na internet e, inclusive, renderam o EP virtual Enquanto o Disco não Vem (Midsummer Madness, 2006).

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“Universo Vocacional” tocado no programa da Trama Virtual

O velho ditado menos é mais não foi respeitado pela banda. Músicas belíssimas como “O Grande Herói” (balada com letra tocante que fala sobre a relação conflituosa de um pai com seu filho), “Kit Homem” (com sua deliciosa pegada “True”, do Spandau Ballet – sem ironia) e “Minha Tranqüilidade”, por exemplo, funcionam bem melhor sem o preciosismo dos arranjos que por muitas vezes deixam as faixas insuportavelmente lentas. “Universo Vocacional” padece do mesmo problema – vide o registro anterior no programa Trama Virtual, acima – e entrega o dopping dos Calmantes: a voz pungente de Nervoso está nitidamente grogue. Assim, o que era para soar lisérgico se tornou perigosamente lúdico. Das composições conhecidas apenas “Candidato a Amigo” e “Sonho de Transatlântico” se salvam – canções tipicamente jovenguardianas, influência confessa de Nervoso -, embora só esta última seja realmente melhor que sua versão preliminar.

Nas canções inéditas, a banda procura ampliar as cores de sua paleta musical e em alguns casos mostra acertos surpreendentes como na suave pegada latina do bolero “Eu Que Não Estou Mais Aqui” (cujo vídeo concorreu a clipe do ano na premiação anual da MTV Brasil) e na rockabilly “Peça de Tabuleiro”, homenagem aos conterrâneos do Canastra e um daqueles casos em que a criatura dá um pau no criador. “A Minha Saudade”, em compensação, é totalmente descartável. Soa como uma daquelas baladas ao piano pretensiosas e modorrentas dos Beatles.

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E esse é o clipe que concorreu ao VMB 09: “Eu Que Não Estou Mais Aqui”

Mas o grande crime do CD atende pelo nome de “Teimosia”. É a prova cabal e irrefutável da overdose de Maracujina. Imaginem que um casal de namorados está num quarto de motel. A coisa tá pegando fogo. Parece um daqueles jogos ganhos da seleção Brasileira, quando enfrenta times como a Birmânia do Norte. Só que quando a mulher, afoita, começa a tirar a roupa do camarada para ver seu sinal de vida, sem mais nem menos começa a ecoar dentro do quarto aquele sax de motel do Kenny G. Conclusão: Birmânia do Norte 1 x 0 Brasil ou Fodeu a Foda. Realmente uma teimosia, com o perdão do trocadilho. Quando parecia que Nervoso tinha acertado a mão em tudo, compondo mais um de seus hinos roqueiros (a letra é um primor, como de costume: a cada lição que esquecemos/ no dia seguinte aprendemos/ que a vida é feita de unhas encravadas), ele vai lá e dá AQUELA brochada imperdoável.

Curiosamente o maior acerto do disco passa bem longe das raízes roqueiras de Nervoso. Trata-se de “Bloco Neguinho”, canção composta pelo guitarrista Benjão (que pouco depois das gravações do disco deixou a banda para tocar no Do Amor) para sua antiga banda, o Carne de Segunda. Em Nervoso e os Calmantes, o frevo eletrificado de Dodô e Osmar dá lugar a pegada extremamente suingada e dançante de “Supestition”, de Stevie Wonder, numa versão que fica anos luz a frente de sua matriz. A letra paz e amor contribui ainda mais para o clima Stevie Wonder encontra o calor carioca: E a harmonia/ beirando a perfeição/ que legal/ amor no coração. A voz de Nervoso revela, a propósito, que esta música foi gravada em algum período de abstinência do cantor: está mais viva e forte do que nunca, sem nenhum traço de afetação.

Entre promessas, erros e acertos, uma dica para o próximo álbum: melhor pensar em um novo nome para a banda. Que tal Nervoso e os Impacientes?

1 COMENTÁRIO

  1. Gênero número e grau. Uma pena mesmo o disco ter saido tão aquém das versões "demo". Sensacional o bom humor e o dignóstico preciso do autor. Abçs

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