Festival DoSol 2014 destaca a experiência e o bom planejamento voltado a novidades e público

No canto de um dos palcos da edição 2014 do Festival DoSol, existem cartazes gigantes com todo o lineup de outras edições, incluindo uma astronômica no cenário independente de 2012 contendo Macaco Bong, Maglore, Vanguart, Zeferina Bomba, Forgotten Boys, Vivendo do Ócio, O Terno e outros nomes. Talvez na edição 2014 do evento não tenha nomes expressivos assim em nível pop, mas investiu no que realmente vale a pena em um festival de diversos palcos: a experiência.

Entre a muvuca infernal na porta dos quatro palcos (três oficiais e um do patrocinador para gravação e interação), locais lotados e público misto e bastante propício a ouvir coisas novas, o formato internacional do DoSol se solidifica e mantém seu legado dentro do circuito independente, motivado por preços baixíssimos, estrutura satisfatória e lineup sempre surpreendente.

Salvo atrasos pontuais principalmente no terceiro dia, a estrutura do festival cumpriu plenamente o que prometeu e trouxe, principalmente, dois dos melhores shows em atividade no país atualmente: o hippie indie do Boogarins e o controverso Aldo, The Band.

O primeiro, envolto num hype nacional causado por incansáveis turnês internacionais e um álbum repleto de influencias diretas, ultrapassa a barreira das referências e proporciona uma sensação que ludibria sentidos, bastando fechar os olhos e deixar a música adentrar aos ouvidos. É possível se imaginar sob efeitos de substâncias a cada solo e a cada letra que a voz doce e vagarosa que Fernando, o vocalista, consegue mostrar.

Já o Aldo, The Band, banda paulista comentada com algum desprezo em certos círculos sociais, ganha áres épicos no palco e supera qualquer expectativa por seu show. É basicamente o encontro sensual entre o Prodigy, com o The Rapture e o CSS em seu primeiro disco. Com uma performance sexual e grandes logos da ADIDAS na frente, a banda transformou logo na primeira música a pista do evento numa balada daquelas mais incríveis. Casais se pegando com força, público majoritariamente roqueiro trocando a cara carrancuda por passos de dança e rapidamente estava definido: melhor show do festival.

Em 2013, 600 pessoas se acotovelaram para assistir o grande nome do pop-rock potiguar, a banda Talma&Gadelha. Esse ano a produção optou por aloca-los em um espaço maior, para mil pessoas, no Galpão 29, um dos palcos disponíveis para o festival. Não adiantou muito, já que mal podia entrar na casa, tamanha a devoção dos fãs que, sem o menor medo, cantavam cada música como se fossem a última. O ponto alto do show foi a intervenção artística que Luíz Gadelha proporcionou. Entre uma música e outra, sem aviso, pegou um livro, recitou um poema de Elisa Lucinda e, numa intervenção artística, beijou com força Leonam Cunha. Público indo a loucura e no aguardo do terceiro disco, já que a banda é um dos premiados no edital Rumos do Itaú, com previsão de lançamento para 2015. O show ainda contou com a participação do co-compositor de “Maiô”, Julio Andrade, do The Baggios – outra banda que simplesmente arrasou num palco grande, um show bem ensaiado e entrosamento de quem passeia por turnês continuas em todo o território brasileiro por anos.

Já o Fukai manteve seu tom festivo-descompromissado e menos caótico e inesperado que no ano passado. Esperando o lançamento de seu disco, a banda administra o tempo valorizando sua arte em música, desenhos e apresentações, sendo uma das promessas próprias do cenário. Semelhante ao Monster Coyote, que apesar do seu horário ingrato ao lado do Far From Alaska, parece fazer algo perto do pop metal, tamanho o peso e a facilidade de assimilação de seu som ao público, no que pareceu ser um melhores shows do domingo de festival.

O rock esteve muito bem servido nas apresentações dos locais Red Boots e Camarones Orquestra Guitarrística, mostrando novamente que o cenário do estado é rico e de qualidade. Ambos se apresentaram em palcos maiores, com boa presença do público e shows arrebatadores. Guitarras no alto, sendo jogadas (ou ameaçadas) e riffs matadores foram a tônica de ambos os shows, com o destaque sempre sorridente de Ana Morena em seu baixo nervoso e feliz ao mesmo tempo, na melhor apresentação do quarteto guitarrístico em tempos – a nova formação da banda e a segurança do guitarrista Fausto Alencar, ajudam o casal Ana e Foca a explodirem na sua contagiante presença de palco. Quem não teve sorte foi o Turbo (PA) que tiveram problemas no som causados por um excesso de grave na voz, tornando impossível a audição da letra das suas canções simples e energéticas em seu show no Centro Cultural DoSol. De camisetinha dentro da calça, cinto aparente e cabelo desgrenhado, Camillo Royalle se transforma num guitar hero no palco e pega pesado na hora de fazer suas poses.

Abafados pelo lineup pesado de domingo, a Inky destoou na noite e não atraiu tanto público, deixando claro que seu horário e dia estavam errados no festival, não engrenando o público em sua vibe. Céu, destaque da noite de sábado, fez um show romântico, mostrou algumas versões fora do padrão, mas manteve um nível burocrático-estrela na apresentação. Num festival onde o novo é a atração e o diferencial chama atenção, não tivemos algo a apontar no show da Céu, mas, pelo menos, funcionou. No domingo, a Bullet Bane causou um estranhamento no público, já que é conhecida pelo peso hardcore, mas paralisou algumas rodas ao mostrar umas faixas mais lentas, pop e um foco diferente do esperado. O público deles foi menor que o esperado, também, assim como o do Cruz (EUA/SP), abafado pelo sempre celebrado show do Matanza, destaque da terceira noite e mais pesada do evento, entulhando gente de tal forma que nem os 2 mil lugares que o palco do Armazém Hall conseguiram suportar.

Ovacionados, endeusados, chamados de nova aposta ao Rock Nacional, o Far From Alaska só administrou. Com suas vocalistas Emmily e Cris em noite inspirada, a banda vinha fazendo um show onde facilmente confirmaria qualquer pedestal que as colocassem, porém, numa movimentação tardia, uma guitarra falha e a falta de uma reserva, mesmo com tantas bandas amigas perto, termina um show de maneira infeliz, improvisada e sem o grande brilho que ameaçou mostrar, ilustrando que ainda há estrada para percorrer entre os jovens. Desde antes mesmo de iniciar o show, com meia hora de atraso por conta da longa apresentação da banda D.F.C., o público já demonstrava que eles eram grandes, importantes para o cenário e para a autoestima de cada novo guitarrista que estaria ali ou cada banda que se formou após o quinteto subir no palco do festival Planeta Terra 2012. A relevância que o Far From Alaska têm não pode ser abafada por erros técnicos básicos na frente de duas mil pessoas apaixonadas e cantando todas as faixas novas, ainda mais em casa.

Pontos rápidos a citar:

– Ingressos a 5 reais para ver shows de nível como Céu, Matanza, Rapadura Xique-Chico e ao todo 50 shows em 3 dias. Um exemplo de organização voltado ao público e a experiência, não ao lucro abusivo.
– O incrível sucesso do copo personalizado do festival nas banquinhas. As 400 unidades disponibilizadas por dia voaram em poucas horas e eram disputadas a dedo, abrindo também um precedente para a necessidade do público para merchandising diferenciado, já que a iguaria custava apenas R$4;
– Todos ingressos antecipados foram vendidos para os quatro dias de festival e na hora aconteceu uma incrível fila de pessoas que estavam esperando alguém sair para poder entrar. Isso somente para ver bandas independentes;
– Por brigas infantis relacionadas as bandas e os fãs, Expose Your Hate e The Gates Are Broken tiveram suas apresentações no festival canceladas;
– O pouquíssimo tempo das apresentações (30 minutos) é justificável, mas doloroso, principalmente com bandas que merecem mais destaque e exposição, tanto no cenário geral quanto regional;
– Poucos banheiros, lixeiras e seguranças chegaram a assustar, mas não causaram problemas, principalmente por conta do público amistoso e receptivo. (Produção do festival frisou que tiveram 40 seguranças por dia no evento e que havia também uma equipe de limpeza em tempo real no festival, ja que acreditam que lixeiras não dão vazão).
– A estratégia do palco TIMmusic pode ser melhor aproveitado no próximo ano. A proposital não-divulgação fez com que poucos soubessem das apresentações do Kung Fu Johnny, Turbo e da local Ruído de Máquina no palquinho dentro do container.
– O som no palco do CCDoSol, apesar de perfeito no primeiro dia, desandou no fim do segundo e pouco melhorou no terceiro, prejudicando alguns que se apresentaram;
– No panfleto distribuído pelo festival para saber quem ia tocar em cada horário faltou citar em qual palco as bandas se apresentariam, o que confundiu um pouco e proporcionou um corre para lá e pra cá para saber onde ia rolar tal show;

Fortalecido por uma parceria histórica com a Petrobrás, um formato de festival plenamente funcional e baseado num cenário rico, bem organizado e doutrinado para novidades, o DoSol 2014 talvez tenha escrito um capítulo novo na história da organização criada há mais de uma década para fomentar o cenário de uma capital nordestina sem tanta tradição no mundo rocker. Já inventaram a camisa do “DoSol 2014, eu fui”?

Veja também:

– Todas as fotos do Festival DoSol;
– Resenha do primeiro dia do evento.
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